quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Dia 23/12/2010 - As Rainhas do Deserto, o Pacífico (como somos pobres em Iquique !).

Hoje não precisamos acordar cedo, temos um trecho que não é muito longo, comparado aos que já fizemos. Apesar de hoje cruzarmos o deserto do Atacama de leste a oeste, temos no meio do caminho a cidade de Calama que é um porto seguro para abastecimento e até pouso em caso de problemas.
Vamos cruzar uma razoável área inóspita.

Tomamos café e acertamos a conta na pousada, eu continuava sem a mínima vontade de ir embora.
Tínhamos que abastecer as motos, não fizemos na noite anterior pois estávamos cansados e o posto é ali ao lado. Saímos da pousada e fomos direto para o posto, chegando lá havia uns cones na entrada, eu passei por eles e aí o frentista veio ao nosso encontro agitando os braços, reclamando e falando para voltarmos!

O caminhão de abastecimento estava lá e eles não deixam ninguém entrar durante a operação, eu pedi a ele que nós fossemos ao calibrador de pneus, ele relutou mais acabou deixando. Havíamos baixado os pneus no Paso de Sico, e agora rodaríamos muito no asfalto, quis ganhar tempo. Besteira, pois quando terminamos e
voltamos para trás dos cones um micro-ônibus entrou na nossa frente.  Pelo menos pudemos parar ao lado dele aproveitando a sombra, o sol já estava forte.

A espera foi razoável, uma boa fila se formou atrás de nós, um casal de brasileiros com um Pajero (ou Land Rover) não me lembro, começou a conversar conosco e a contar as dificuldades que tiveram na Bolívia. Nos falaram que lá eles cobravam dos turistas o dobro do preço normal das coisas e que contrataram um passeio para o Salar do Uyuni, a empresa do passeio os levou até lá e foi embora dizendo que o serviço era só de ida!  Cada história de arrepiar... Vou me preocupar com a Bolívia só no ano que vem pensei...

Abastecemos, na saída do posto tinha um brasileiro com uma Vstrom na fila, o cumprimentamos e fomos embora.
Pegamos a ruta 23 no mesmo trecho do passeio da tarde de ontem, paramos sob o sol no local das obras, por sorte foi pouco e logo já estávamos subindo a serra entre o Vale da Morte e o Vale da Lua.  Depois do alto da serra a ruta 23 começa a descer em enormes retas, apesar do sol, andando com a moto havia um vento frio. San Pedro estava a 2650 m de altitude e nós estávamos indo em direção ao litoral, tínhamos segundo meus cálculos 250 km pela frente até chegarmos ao nível do mar.


Ruta 23 logo após os Vales da Morte e da Lua
A estrada tem movimento deste lado, desde quando entramos na ruta 23 em Socaire dias antes, vimos pick-ups Toyota ou Mitsubishis com o "domo" do rastreador por satélite e antenas de rádio tipo PX, sempre dobradas em forma de arco sobre a caçamba, elas saem da ruta e somem por estradinhas no deserto.
Claro que as mineradoras usam estes veículos equipados, pois se acontecer algum problema mecânico o sujeito não ficará abandonado no meio do nada para morrer torrado ao sol ou de frio a noite.


Lá vamos nós cruzar este deserto !


Não dá para descrever com palavras a imensidão dos desertos, eu pensava, se algo acontecer pelo menos estamos em uma estrada com movimento. Parar para consertar algo na moto sob aquele sol e aquele vento iria ser uma árdua tarefa, ainda bem que as Suzis não nos deixaram na mão nunca, por isto neste dia eu pensei, são as rainhas do deserto.

Fomos rodando naquela nossa tocada padrão, 110 no máximo 120 km/h e curtindo aquele visual imenso.
Não demorou muito cruzamos a ponte do Rio Loa na entrada de Calama.  Calama é uma grande cidade no meio do deserto, ela existe por dois motivos, a quebrada do rio Loa que vem lá da divisa com a Bolívia / Laguna Colorada (e permite que haja vida por ali) e a maior mina de cobre do mundo, Chuchicamata.

Passamos a primeira rotatória e na segunda entramos em direção à cidade pela Av. Almirante Grau, queríamos abastecer e comer algo, pois era por volta de meio-dia. Muitos carros na avenida, a cidade parece ser bem movimentada, avistamos um posto Petrobras (sim há Petrobras na Argentina e também no Chile). Abastecemos, havia um grande movimento de carros entrando e saindo do posto, avistamos na lateral do posto uma Pizzaria fast-food. Paramos as motos na frente e entramos, apesar de pequena é bem arrumada e tem pizzas ao estilo Pizza Hut. Claro que escolhemos peperoni!


O André feliz esperando a pizza de Peperoni

Este guarda-chuvas não vai durar muito...
Fomos muito bem atendidos, e o ar-condicionado era bem vindo. O André estava preocupado com o baú da moto, ambas estavam ao sol e o netbook lá dentro. Ele pegou o guarda-chuvas (aquele da foto em San Pedro) e abriu sobre o baú.  Não durou muito tempo, bateu um vento forte que destroçou o guarda-chuvas que saiu rolando posto afora!   Decididamente o deserto não gosta de guarda-chuvas...

Do lado de fora tinha uma cachorrona branca muito dócil, enorme mais muito judiada, ainda bem que a pizza era grande, foi dividida entre nós três.

Nos despedimos da nossa amiga e fomos de volta para a rotatória, tínhamos que pegar a ruta 24.  Em Calama há uma saída pelo sul da cidade, a ruta 25 que vai para Antofagasta e pelo norte a 24 que vai para Tocopilla (nosso destino). O GPS insistia em nos mandar para a ruta 25, mais sabíamos que a 24 começava na frente da mina Chuchicamata.  De fato passamos em frente a portaria principal da mineradora, o local é enorme, é como uma cidade industrial à parte.  Erramos a entrada da ruta e fizemos o retorno em frente ao corpo de bombeiros, tinha posto de gasolina ali, mais acho que não iria ter aquela pizza!

Olhando 'tudo aquilo" quase erro a entrada outra vez, dei uma freada e acabei entrado na ruta 24 com a roda traseira travada e a moto de lado, o André não viu, pois ia na frente.  Neste trecho o céu tinha ficado nublado, a ruta 24 era minha preocupação, pois sabia que não tinha posto de gasolina nem nada.
Logo que passa pela mineradora a estrada sobe uma serrinha, no alto dela começa uma reta absurda, eu marquei no odômetro da moto 25 km em uma linha perfeitamente reta, quebrada apenas por leve desvio de uns 2 metros no fim desta marcação e depois mais 50 km quase perfeitamente retos!

Ao lado da ruta, segue a linha de transmissão de energia elétrica e as torres alinhadas formam uma linha que se perde no horizonte a cada km rodado.

Após estes 75 km, cruzamos novamente o Rio Loa, o mesmo que alimenta Calama, ele passa por lá, dá uma volta no deserto e passa por aqui, só que agora já praticamente sem água. Cinco km adiante está o cruzamento com a Ruta 5 que vem lá de Santiago (1500 km ao sul) e vai até Arica (500 km ao norte).
Eu havia planejado subir direto para Arica pela ruta 5 a partir deste ponto, mas o Marcelo nos recomendou seguirmos para Tocopilla e subir pelo litoral.
Como a sugestão era ótima, mudamos nossa planilha bem antes de iniciarmos a viagem.

Aqui é um lugar onde você se sente perdido no meio do deserto mesmo. Paramos em frente a placa que indicava 60 km para Tocopilla e o Pacífico!



Entrocamento da Rutas 24 com Ruta 5


O Pacífico é pra lá


Minha "Rainha do Deserto"
Estes 60 km são menos monótonos, pois há algumas elevações, me lembro bem que em uma longa subida havia à esquerda no meio daquele areião todo, um tanque de água, era realmente água, pois havia árvores a sua volta. É uma visão estranha, aquela secura toda e, um local com uns 100 m de raio com árvores viçosas
em volta de um tanque de água. No deserto há água no subsolo, portanto ali deve haver um poço artesiano que enche aquele enorme tanque.



Caixa d'Água no meio do deserto...

Depois dali começamos a trafegar entre morros e a estrada começou a ter muitas curvas, oba o Pacífico está perto. Como duas crianças íamos a cada km esperando que o mar surgisse a nossa frente. Demorou mas aconteceu, subitamente estava lá na nossa frente ele, o Oceano Pacífico!


Felizes como crianças, pela primeira vez estamos vendo o Pacífico !
Quando avistamos o mar, avistamos também a usina térmica de energia elétrica (Electroandina), é daqui que vai energia para a mina Chuchicamata, por isto as torres acompanham toda a ruta.  Bem ao lado da usina havia um navio no mar, concluímos que a usina era ali pois o combustível vinha facilmente pelo mar, do contrário teria de ser transportado deserto a dentro. É mais fácil transportar energia elétrica pelos fios do que montanhas de carvão pelo deserto.


Usina termoelétrica "Electroandina"
O lugar não é bonito, mas estávamos tão entusiasmados de ver aquele oceano do outro lado continente que nem ligamos, entramos na cidade e paramos no primeiro posto de gasolina.  Como sempre, todo mundo que passava ficava olhando para aquelas duas motos com aqueles dois caras sujos e cansados.

Abastecemos e já pegamos a Ruta-01 que, logo começa a  margear o oceano.
Na primeira curva paramos no acostamento e fomos ver o mar que estava uns 50 metros abaixo, é uma visão muito difícil de assimilar, é o paradoxo do deserto que acaba no mar!    Nenhuma vegetação, nadinha nem um cactus!


Nossa primeira visão mais próxima do mar

Deve ser muito fundo!



Este cenário não iria mudar pelos próximos 225 km, à direita o paredão de areia com uns 300 metros de altura e à esquerda o mar infinito.

O mar ali deve ser muito profundo, pois vêem-se algumas pedras e depois um azul escuro de águas profundas. Imaginamos que as águas deviam ser muito geladas e por isto não havia evaporação suficiente para gerar chuva. O Pacífico por aqui não entrega umidade à terra. Acho que foi neste trecho que o André me perguntou, será que iremos ver leões-marinhos, focas ou pinguins?  Eu de pronto respondi, acho que não só ao sul, estamos muito ao norte na beira do deserto...

Novamente o cenário não correspondia a imagem mental que eu havia feito, tinha imaginado este trecho nublado e cinza, mas estava uma tarde linda de sol.


As Rainhas do Deserto


O paradoxo do deserto que se acaba no mar...
Passamos por um belo túnel e alguns quilômetros depois a estrada se afastou alumas centenas de metros do mar, ali à esquerda uma sequência de vilas de casas simples de madeira espalhadas pela areia. Pareciam lugares bem pobres, não sei quem vive lá e porque. Talvez sejam pescadores, talvez trabalhem no salar que existe dunas acima.

Uns 80 km após Tocopilla, quando passamos a ponte sobre o Rio Loa (aquele mesmo, desde Calama) que aqui desemboca no mar, há uma Aduana. Eu não fiquei muito animado em ter de parar ali, depois concluímos que é devido à divisa de região.

Paramos as motos ao sol, como muitos carros, caminhões e ônibus. No lado esquerdo da ruta tem um guichê e o pessoal faz fila lá com os documentos dos veículos em mãos. Lá fomos nós, ainda bem que eles são eficientes, as mesmas perguntas, de onde vem para onde vai etc. Um senhor educado foi digitando dados no computador e liberou. No lado direito tem umas construções tipo lanchonete etc.  Colocamos as Suzis (ao sol) em frente a maior delas e ficamos lá no balcão comendo uns salgadinhos.
Nos vidros dezenas de adesivos de viajantes que passaram por lá, lamentamos não termos feito um adesivo para nossa "expedição".



A lanchonete na Aduana do Rio Loa

Aqui não há sombra, Suzis ao sol...




A beleza de uma natureza morta !



Mais adiante, havia um trecho onde a estrada ficava ao nível do mar, à direita as dunas ficavam longe e havia uma grande planície de areia. A paisagem era convidativa, dava vontade de entrar por aquela areia acelerando. Paramos no acostamento e o André resolveu experimentar, só que desta vez com a moto pesada e com os pneus cheios, ele não foi além de uns 5 metros!   A moto cavou com a roda traseira e ficou em pé sozinha, fui tentar puxá-lo de volta e, claro a roda estava enterrada até a metade. Eu rindo percebi que era uma rampa, então comecei a cavar com o pé uma valeta para trás na linha da roda. Aí foi fácil tirar a moto de lá.


O André com cara de quem vai aprontar alguma..



Vou dar uma voltinha no deserto tá ?

Ooops !!!

Me tira daqui !!!

Se não dá de moto, vou à pé...

A Suzi é paciente...

Momento de reflexão...

Seguimos e a paisagem constante de areia e mar que só foi quebrada quilômetros à frente quando passamos por uma pequena termo elétrica à esquerda e seu pequeno porto (comparando com Tocopilla). Acho que existe ali devido à uma mineradora de sal que há lá pra cima das dunas, ví uma placa e uma estrada indo pra lá com caminhões transitando nela. Haviam enormes sacos de sal à espera de embarque ao lado de um galpão no porto. O local chama-se Punta Patache.

Mais adiante vi uma placa à direita indicando zona militar, havia um estande de tiro com alvos longe da estrada. alguns quilômetros à frente uma placa informando, proibido parar ou estacionar nos próximos 9 km!

À esquerda estava o aeroporto de Iquique que tem uma base aérea da FACH anexa. Fiquei frustrado, pois dava para ver as coberturas para os caças quando em regime de alerta, imaginei que poderia ver algum F-16 chileno, mais obviamente a força aérea chilena não quer curiosos por ali. Pena, só pude ver um Hawker Hunter num pedestal lá dentro da base, sem fotos...

Esta é uma região extremamente militarizada, devido aos conflitos resultantes da Guerra do Pacífico (1879-1884) que mudou o contexto geográfico daquela região, "gerra do pacífico" antagônico não é?
Vamos falar sobre isto mais adiante
.
Quando se chega à Iquique pelo sul, avistam-se montanhas de containers em um local à direita da estrada, depois entra-se em um bairro com muitos prédios altos e belas casas, tudo novo com arquitetura contemporânea.  Zona sul como sempre, chique.


Entrando em Iquique

Seguindo adiante pegamos uma avenida à beira mar (com palmeiras no canteiro central) em direção ao centro, no primeiro semáforo já fomos "cercados" por um Hummer gigante à esquerda e um Mustang Shelby GT-500 prata e azul à direita. PQP! só carrão e tudo novo. O lugar é chique mesmo!
Entramos no primeiro posto de gasolina que encontramos e já de cara tinha um Corvette vermelho estacionado, decididamente nós dois, sujos ao lado de nossas velhas Suzis éramos duas figuras muito pobres por ali!




Olha o Corvette !


Nós somos muito pobres aquí em Iquique, não é André ?

Nos informamos no posto sobre hospedagens mais simples, o frentista muito solicito nos indicou irmos ao centro mesmo. Saimos dali e na rotatória do cassino o André foi para a direita, ainda bem que temos o Scala Rider, eu fiquei na rotatória parado esperando ele achar um retorno. O cassino dali é muito bonito e claro, todo iluminado, já entendi a razão de haver uma termo elétrica mais ao sul.  Continuamos na avenida até que entramos em uma região com vários prédios mais antigos, eu entrei numa rua à direita quando o André me avisou que eu estava na contramão!  Estava anoitecendo e eu não estava enxergando bem.

Voltamos para a avenida onde havíamos visto algumas hosterias, paramos na frente de uma bem simples e o André foi lá ver as condições. Já voltou com um sorriso e uma senhora atrás dele, ela abriu uma porta de vidro ao lado da recepção e o André disse, vamos estacionar aí.
Na realidade era uma espécie de sala de ginástica, com vários aparelhos, ela empurrou uma esteira e as Suzis couberam lá.  Melhor que isto foi o fato de não precisarmos remover a bagagem das motos!  Só pegamos os bauletos com toda a tralha eletrônica.

O lugar é simples, é um hotelzinho meio improvisado, mas funciona. Tomamos banho e fomos procurar algo para comer, quase ao lado na mesma calçada entramos em um local que era tipo uma cafeteria, mas tinha lanches e muitos bolos e sorvetes numa vitrine refrigerada. Novamente fomos muito bem atendidos, o local estava quase vazio, havia um casal de meia idade em outra mesa que nos observava, não sei se porque tínhamos cara de forasteiros ou porque falávamos português...  Me lembro que a mulher tinha longos cabelos negros a pele bem morena, era bem bonitona.

Depois caminhamos um pouco, havia uns sujeitos estranhos na rua e com cara de que tinham fumado tudo (micróbios praianos).
Voltamos e na recepção da hospedaria fizemos várias ligações para o Brasil, falamos com nossas famílias, afinal no dia seguinte seria véspera de Natal.

Fomos dormir tranquilos, mais uma vez tinha dado tudo certo!

Rodamos neste dia 485 km em aprox. 8 horas.   San Pedro del Atacama -> Iquique (via Calama e Tocopilla).

Não anotei o nome do hotel, mas fica na Calle Vivar onde em uma esquina há a Igreja Don Bosco de um lado e um posto de gasolina do outro. No quarteirão seguinte na mesma calçada do posto de gasolina, estão o hotel e a cafeteria.

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